quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Satisfação


Lembrar do passado sempre gera certa nostalgia. Mas é muito gostoso quando as lembranças trazem aquele sorriso espontâneo no rosto e nos fazem perceber que tudo o que passamos e todas as pessoas que passaram por nossas vidas contribuíram, de muitas formas, para sermos quem somos hoje.

Às vezes fico horas de olhos fechados tentando encontrar o sono perdido e nesses momentos tento incansavelmente descobrir qual é minha primeira lembrança. Em geral, os sonhos acabam me abraçando e os olhos fechados tornam-se a abrir somente no dia seguinte. Mas às vezes eu recordo pequenos fragmentos, mesmo não sabendo ao certo se lembro mesmo deles ou se são apenas aquelas imagens que perseguem a mente de tanto serem vistas em fotografias já desbotadas, tiradas em dias sobre os quais apenas os outros contam.

Se fizer bastante força, consigo lembrar de pequenos detalhes, como o grito de "me espera" ao pai e à mãe na hora de dormir, ou os desenhos com giz na calçada de casa, embalados por uma canção inventada implorando para que o sol não cedesse lugar às nuvens nos dias em que ficava de molho na velha piscina de plástico. Até consigo lembrar dos primeiros versos, cantados desafinadamente aos gritos: "Sol, fica aqui só mais um pouquinho, que a noite já vai chegar..."

Lembro da visita à fazenda de jabuticabas ali perto de Goiânia e da estradinha que pegávamos para chegar em casa - hoje uma larga avenida asfaltada e cheia de casas e movimento. Lembro dos nomes dos coleguinhas do pré-escolar e até consigo ver meus passos voltando da escola debaixo da sombrinha da mãe, andando pelas ruas ainda de chão batido do condomínio onde morava. Lembro de caminhar em fila no dia em que quebrei o braço, lá pelos cinco anos, e lembro dos Beatles cantando no toca-fitas do meu pai, enquanto ele montava suas maravilhosas máquinas voadoras.

Lembro de amassar carrapatos com pesos de chumbo. Lembro de alimentar formigas com açúcar e de montar corridas entre bichos de goiaba. Lembro de passar os Natais em família. Lembro do trajeto de todos os dias a caminho da escola. Lembro da fascinação por subir em árvores. Mas ainda mais nova, creio, lembro de rabiscar os cartões de computadores que meu pai trazia para casa do trabalho, fingindo ser diretora de uma empresa muito importante - a Jungis Barrida.

É, meus caros... eu era criativa. Tão criativa que cheguei a inventar algumas regras gramaticais complexas o suficiente para, hoje em dia, ter dificuldade em entender o que poderiam significar para uma criança. Criei novas classes morfológicas - os gramafos e o alamimissim. E ensinava todas as suas regras para alunos imaginários. Também adorava passar horas brincando com velhos talões de cheque e panfletos bancários. Sempre que ia ao banco com a mãe ou o pai, saía catando toda a papelada informativa sobre investimentos, cdb, rdb e coisas que os bancários devem conhecer.

As bonecas não eram minha preferência - só bem mais tarde, quando descobri as Barbies. Mas, quando criança pequena, gostava mesmo era dos carrinhos. Papai montava um autorama gigantesco no corredor lateral lá de casa - e lá íamos nós e os vizinhos com nossas lotus, ferraris ou mclarens competir por horas a fio. Gostava dos bichos de pelúcia Anselmo e Rodolfo (era isso mesmo?) e adorava o João Neme. Tinha também a Matilde. Não lembro muito bem dela, uma boneca de pano meio feinha - e talvez por isso tinha tanta dó dela que nunca consegui livrar-me de sua companhia.

Aliás, é interessante como é mais fácil lembrar das sensações e impressões da infância do que das imagens propriamente ditas. Recordo da sensação de dúvida se devia correr para os braços da mãe ou do pai, que me torturavam chamando-me os dois ao mesmo tempo, cada um de um lado da sala. "Vem com a mamãe / Vem com o papai". Tortura, né? Por outro lado, há imagens soltas, como a velha cadeira de vime que ficava no terraço de casa, o chapelão mexicano que meus pais ganharam ou o sapo de pano que minha avó me deu (acho!) e que eu fazia de travesseiro.

Anos mais tarde, lembro que achava o máximo brincar na rua com a molecada, correr no pique-pega ou no pique-esconde, pular mamãezinha da rua ou aventurar-me na bandeirinha. E aqui faço um parêntese: hoje em dia a criançada não sabe o que é infância verdadeiramente feliz. Da escola pro inglês, de lá pra aula de música ou pro balé e, em casa, videogame. Tá, eu também gosto de videogame, mas em nenhum momento essa fase foi melhor do que a das brincadeiras ao ar livre. Os dias de videogame mesclaram-se como uma lembrança única, como se fossem apenas um dia. Por causa da repetição, sabem? O cérebro não armazena as pequenas diferenças das coisas que são feitas todos os dias.

Quando criança, também gostava muito de brincar sozinha. Mas foi dessa época que, entre fases "de mal" e "de bem", veio uma das minhas amizades mais sólidas e sinceras. Depois veio a fase dos barzinhos, das confidências trocadas em bilhetinhos. Veio o vestibular, a faculdade e a descoberta que o caminho não era bem aquele. Veio a Computação e alguns bons amigos. Veio o Jornalismo, com algumas boas amigas e a profissão que elegi para seguir.

E o tempo, que começou engatinhando, passou a andar cada vez mais rápido e hoje corre desenfreado. Já não vejo todos os dias as pessoas que me fizeram ser o que sou; já não encontro os mesmos amigos que fizeram parte de tantas fases da minha vida; já não sou mais criança. Mas olho para trás com orgulho. Com saudades. Hoje, minha porção infantil contenta-se com quebras-cabeça e recordações. E ela continua aqui, só esperando para alguém a lembrar como é que se faz uma cantiga de roda ou se pula amarelinha.

***
"É bom olhar pra trás e admirar a vida que soubemos fazer
 É bom olhar pra frente, é bom, nunca é igual, 
Olhar, beijar, ouvir, cantar um novo dia nascendo"
(Nando Reis)

domingo, 17 de outubro de 2010

Retrospectiva


O mês era agosto quando amontoei as roupas, despejei-as no porta-malas do carro e peguei a estrada rumo a Campinas/SP. Os planos da mudança já tinham sido iniciados poucos meses antes e, após aquelas chatas e necessárias tramitações com mudanças e organizações mil, enfim falei tchau com os olhos marejados, deixando pra trás uma cidade que havia me abrigado por quase 30 anos. Ainda não amanhecera - e o breu da noite envolveu o caminho até que a alvorada enfim estendeu seus braços, sempre mais acolhedores e dotados de esperança do que a sombria escuridão.

Quase mil quilômetros. Três estados diferentes. Amanhecer, sol e chuva. Tudo isso marcou o trajeto. Vários Brasis em um só Brasil. Cidades grandes, cidades pequenas, currutelas e metrópoles. Aqui há um pouco de tudo, não? E basta viajar só um pouquinho para perceber os contrastes - um município calçado com paralelepípedos, uma vila que sobrevive do comércio à beira da estrada, uma cidade afundada em placas mal escritas ou apagadas pelo tempo. Em São Paulo, a privatização das estradas de rodagem pelo menos ameniza a dor da distância que se aprofunda. Da paisagem ressecada e contorcida do cerrado, surgem amplos campos verdes e plantações gigantescas - milho, cana de açúcar, café, laranja... O Brasil é mesmo um país maravilhoso!

Enfim, Campinas - uma cidade grande, com centenas de anos em suas costas. Guarda a proximidade com a megalópole paulista como uma vantagem e ao mesmo tempo ainda conserva um quê de interior. Cidade de estudantes, atraídos por uma das mais conceituadas universidades do País, é também um município jovem e cheio de vida, cujas vias principais seguem cheias como veias que interligam cada um de seus pontos. Como toda cidade, tem seus cinzas predominantes sobre os verdes ou azuis. Mas guarda algumas agradáveis surpresas entre os parques e os bares.

É cidade do R puxado, de gente que luta e gera riquezas, de cantos sertanejos e de bares inflamados. É apenas mais um aglomerado deste País gigante, que, tal como as demais regiões com mais de um milhão de habitantes revela pontos positivos e negativos. Resta a mim e aos demais campineiros - de ocasião ou de nascença - desbravar o melhor que pode oferecer. Eu estou fazendo a minha parte. E estou gostando muito.

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

despedida

Oi, calor infernal. Já vi que vai rechear meus dias com um sol intenso e terrível.

Tchau, friozinho gostoso. Já estou com saudades...

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P.S.: Não, isso não é mau humor de quem é ranzinza. É apenas uma constatação de quem prefere muito mais trabalhar bem vestida com casacos e botas do que com regatas, sandálias e suor.

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Sobre o Bob Dylan e uma cadela

Já não me sinto tão perdida ao andar pelas ruas de Campinas. Já sei que o Centro de Convivência fica bem ao lado de onde trabalho e também sei andar um pouco mais além da Lagoa do Taquaral. Já aprendi a pegar as estradas dos arredores e encarar as milhares de bifurcações e viadutos como naturais. Já sei chegar sozinha ao Iguatemi e ao Galeria. Já fiz compras em pelo menos três supermercados diferentes. E hoje, voltando do trabalho por um caminho ainda não percorrido, descobri um trajeto com um pouco menos de trânsito - embora eu não veja o trânsito daqui como um bicho de sete cabeças.

E tudo isso é para falar que voltei para casa hoje escutando algo que não ouvia há muito tempo. Depois de uma semana com um CD nacional rodando sem parar, resolvi trocar e peguei o primeiro que caiu à minha mão. E lá veio o Bob Dylan, com sua voz inconfundível, seu tom meloso e sua gaita estridente. Veio a primeira música e passei para frente - muito chata (que me desculpem os fãs, mas nem sei o nome). Depois, Blowing in the Wind. Um show.

Mas a que mais me fez lembrar de uma época em que eu simplesmente odiava Bob Dylan foi a terceira faixa - The times they are a-changin. Odiava não porque achava ruim, mas porque minha mãe havia comprado aquele conjunto de LPs Biography e simplesmente o escutava o dia inteiro. Sem saber inglês, eu já sabia todas as letras de cor. E ela escutava de um lado, com o som a todo o volume, e minha cadela (saudosa Bonnie) uivava do outro. A cada gaitada, um uivo. A cada troca de faixa, um minuto de silêncio.

O agudo da gaita devia machucar os ouvidos dela, mas que era o máximo ver aquele fuço comprido se esticando para o alto e fazendo biquinho, ah isso era.

Lembrei disso e deu saudade. Viram como a vida da gente é feita de pequenas lembranças que valem muito?

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Aos que querem lembrar da música:
http://www.dailymotion.com/video/x2lfz3_bob-dylan-times-they-are-achangin_music

Aos que querem conhecer a Bonnie:












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quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Um pouco de saudades de São Paulo


São Paulo é um ninho de mafagafo, um formigueiro. É um universo de excessos. De gente e de carros. De riqueza. E de pobreza. De luxo nos arredores da Paulista e de lixo em meio aos edifícios pichados nos labirintos do Minhocão. De engravatados que desfilam pela Faria Lima em seu horário de almoço e de esfarrapados que juntam seus trapos ao catar papel durante todo o dia em todo canto.

É uma mistura de diferentes matizes de cinza, de tribos que se acotovelam em meio às estações lotadas de trem e metrô. É um aglomerado de construções, viadutos, túneis e pontes. É uma cidade sem relógio, que funciona ininterruptamente, seja manhã, tarde, noite ou madrugada. É lugar de poucas cores, pouco verde, pouco azul.  No centro, árvores dão lugar ao concreto. No céu, o azul é substituído por uma estranha tonalidade resultante da poluição. O horizonte é esfumaçado, meio cor de rosa, meio cinza escuro.

São Paulo é um caos, mas é um caos organizado. Os motoristas se xingam, mas conseguem desviar uns dos outros. As motocicletas buzinam, em uma intensidade que chega a incomodar os tímpanos; fazem fileiras em meio aos carros e vão tecendo uma teia por entre os congestionamentos. Os pedestres se amontoam para atravessar um cruzamento, mas andam a passos largos entre si, ultrapassando os que apenas andam a observar as muitas vitrines espalhadas nos mais inacreditáveis espacinhos. Na Sé, há trânsito de gente; não de carros.

São Paulo é minha terra natal, mas não foi ela que me criou. Foi apenas reduto das minhas férias e das passagens do interior do Brasil rumo às praias que são minha paixão. Mas é cidade que abriga sem questionar, que acolhe desesperados e endinheirados. É palco de rica cultura, de espetáculos tradicionais e controversos, sejam eles reais ou fictícios. É a cidade do sanduíche de pernil e do incrível pão com mortadela do Mercado Municipal. É o local do skate no Parque do Ibirapuera, dos belos jardins do Museu do Ipiranga e do imenso vão livre do Masp.

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Só tenho boas lembranças das muitas temporadas que passei por essa cidade cinza que também é um pouco do meu lar. Do trabalho maravilhoso no jornal O Estado de S. Paulo - e de uma equipe incrível e inesquecível -, das caminhadas pela Domingos de Morais e pela Paulista, das andanças em pleno centrão, conhecendo locais conturbados como a 25 de março, o Mercadão, a Sta. Ifigênia, o Teatro Municipal, o Pátio do Colégio, o Mosteiro de São Bento (e suas tumbas internas) e a Catedral da Sé.

São Paulo é uma cidade em mil. Sim, poderia ser mais bonita e bem cuidada, mas é um retrato bastante fiel da realidade que traça há 456 anos. E eu fico pensando: dentro desta cidade cabem quase dez da minha Goiânia.

domingo, 20 de junho de 2010

Ranzinzolina

As vuvuzelas são muito chatas. Eu quase chego a torcer contra nossa seleção canarinho só por causa dessa arruaça desmedida. O Brasil para por causa da Copa do Mundo. Isso é irritante. A estação de metrô da Sé, no centrão de São Paulo, parece que vai explodir de tanta gente - pessoas se movimentando de um lado para o outro, procurando fazer barulho e indo pra lugar nenhum, só mesmo para caçar um espacinho em frente às tevês.

Não, não sou tão ranzinza assim. Eu gosto de jogo do Brasil e até acho legal uma farrinha vez ou outra. Mas o fato de estar trabalhando não me ajuda a entrar em clima verde-amarelo. Fico irritada com essa hipocrisia que ocorre de quatro em quatro anos, com tanta gente exibindo orgulhosa a bandeira do País como se fosse o povo mais patriota do mundo. Convenhamos, não é bem assim...

segunda-feira, 7 de junho de 2010

Olho comprido

Estou namorando uma blusa vermelha há uma semana. Todos os dias, a caminho do trabalho, ela pisca para mim, enviando mensagens telepáticas sobre o quanto sua lã será útil neste inverno e como ela pode dar uma renovada no meu guarda-roupa, com sua gola canoa e seu tricô trabalhado. Nessa relação platônica, o bolso já indicou ser contra: atento a qualquer impulso consumista um pouco mais exagerado, ele anda a me vigiar como um pai à filha caçula. Juro que, mesmo contrafeita, estou tentando aceitar seus argumentos inabaláveis, mas espero que a tal blusa consiga me deixar em paz e pare de me olhar com aquele jeitinho de 'me leva para casa'. Senão, a paquera definitivamente vai virar caso consumado.

sábado, 29 de maio de 2010

Cheia de dedos

Ameixa e beterraba. Uma combinação que eu adoro quando o assunto é a cor do esmalte. Pois hoje, uns seis meses depois de fazer as unhas pela última vez, decidi enfrentar o preço absurdo que as manicures paulistanas cobram e deixar minhas unhas bonitinhas novamente. Estou de férias da cozinha - então pude me dar ao luxo de escolher um vermelho berrante, que combine bem com aquele cachecol que vai me fazer companhia no inverno.

Aproveitei para aparar as pontas da cabeleira. Não suportava mais os nós e as pontas duplas, que se entretinham em tricôs que viravam verdadeiros ninhos de mafagafo. O saldo: duas horas no salão e R$ 40 a menos no bolso. Eu precisava. Saí de alma lavada e com os dedos esticados para não estragar o trabalho bem feito. Cheguei em casa, cabelos esvoaçantes ao gélido vento invernal, e, com todo o cuidado do mundo, estendi a roupa que havia ficado descansando na máquina esperando meu retorno. Estendi assim mesmo, sem me dar ao trabalho de colocá-las do avesso. Afinal, as unhas vermelhas merecem todo o cuidado e atenção do mundo.

Da cozinha, minha avó me oferece um pedacinho de chocolate - Talento com castanha-do-pará. E a tal guloseima, vingativa porque iria ser digerida alvoroçadamente por mais de uma boca gulosa, resolve se vingar: ao não querer ser quebrada para ser devorada, faz meus dedos escapulirem e irem direto rumo ao anel pontiagudo. O resultado? Alguns xingamentos desmedidos e uma unha vermelha estilhaçada, com uma imensa listra afundando o esmalte. Ai que vontade de esmigalhar aquele Talento!



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Aos desavisados: estou em São Paulo, aproveitando o cinza da cidade para vidrar os olhos nas vitrines de inverno, recheadas de casacos lindos, blusas de lã convidativas e botas chiquérrimas. Não bastasse esse impulso consumista que tem me atormentado, estou editando um guia de shoppings da cidade - daqueles que dão vontade de visitar tudo e comprar mais ainda. Sorte que sou editora e não repórter, senão já teria sido vencida e as sacolas certamente seriam minhas companheiras diárias ao retorno para a redação.

terça-feira, 20 de abril de 2010

Impressões campineiras - recomeço

Já estou em Campinas há oito meses e não escrevi metade das coisas que queria dizer a respeito da cidade. Não comentei que ela é bonita e arborizada, com muitas avenidas largas e diversos viadutos que nos deixam completamente perdidos e embasbacados. Não falei ainda dos agitos noturnos e nem de passeios possíveis. Mas ainda há tempo. Sempre há tempo.

Moro em um apartamento de quase 90 metros quadrados, com três quartos e duas pequenas varandas, sala, cozinha, área de serviço e despensa. E banheiros, claro. No condomínio temos uma excelente piscina e uma área bem bacana para festas e churrascos. A localização não poderia ser melhor. Aliás, pra ser melhor, só mesmo se fosse uma casa, com bastante espaço no quintal, suficiente para abrigar ao menos um rottweiller.

Área comum aqui do prédio

Aqui pertinho, na distância de menos de uma quadra, tem um pouquinho de tudo: verdurão, açougue, supermercado, farmácia (pelo menos duas), academias, papelaria, Subway, lotéricas. Aqui perto fica a rodovia D. Pedro I, que dá acesso à via Anhanguera e também à Dutra (principais estradas para São Paulo e Rio de Janeiro). De carro, é super fácil e rápido chegar ao maior shopping horizontal da América Latina (Parque Dom Pedro), à Unicamp, à PUC-Campinas e a um Carrefour, onde faço todos os meses minhas tradicionais compras de Amélia.

Do outro lado, mas a menos de dois quilômetros de distância, fica o Parque Portugal, que abriga a Lagoa do Taquaral, sobre a qual já falei em um post anterior. É um lugar muito bonito, com muitas árvores, tranquilidade e paz. O pessoal daqui sempre usa a pista interna do parque, ao redor do lago, para caminhar e correr. Fones de ouvido plugados, lá vão eles nos seus ritmos próprios, andando ou correndo, cantarolando ou aproveitando o momento de solidão para colocar os pensamentos em ordem. Já faz um tempo que não apareço por lá, mas confesso que é uma atividade bastante prazerosa (e saudável, saliente-se).

Daqui do décimo terceiro andar, minha vista é um tanto quanto limitada pelos muitos prédios ao redor - nenhum, no entanto, tão grudado a ponto de conseguirmos cumprimentar os vizinhos com um recatado olá. De vez em quando somos surpreendidos com alguma discussão mais alta ou com os gritos da molecada jogando basquete na quadra ao lado. Mas isso não é frequente. Frequentes mesmo são os gritos eufóricos das torcidas corinthiana e são-paulina, que ficam se enfrentando a cada dia de jogo com provocações engraçadíssimas esbravejadas pelas janelas.

À noite, às vezes temos a sorte de sermos contemplados com a visita da lua a nos espionar. Encantador.

 A lua vista da sacada aqui de casa

Durante o dia, quando está claro, é até possível ver partes de uma planície verdejante ao fundo dos prédios que nos circundam, por onde ainda hoje passam os vagões de uma solitária Maria-Fumaça. Seu apito sempre é ouvido aos sábados e domingos, quando a locomotiva segue o trajeto Campinas-Jaguariúna - uma tentativa de manter viva a lembrança dos tempos em que as ferrovias eram o único meio capaz de aproximar pessoas de cidades distintas. Engraçado como hoje temos possibilidades um tanto quanto mais avançadas e mesmo assim parece que estamos cada vez mais distantes.

quinta-feira, 15 de abril de 2010

Lá fora

O problema de voltar a atenção para os estudos é que o mundo lá fora fica cada vez mais distante - e tudo ou quase tudo que é feito ali recebe uma conotação culposa. A gente fica meio alienado - e aí entra mais culpa, especialmente por causa da profissão que carregamos registrada na carteira. Mas as boas notícias tendem a surgir em algum momento. Sim! E quando isso acontecer, prometo dar mais atenção a este espaço aqui - e contar um pouquinho mais da minha vida em uma cidade nova e cheia de coisas para serem descobertas. :)

segunda-feira, 15 de março de 2010

Breve relato de uma fuga impensada

Ela partiu. Amontoou uma trouxa de roupas, deu um beijo no gato, um afago no velho cão e fechou a porta atrás de si. Não avisou ninguém. Enfiou na cabeça a ideia de que seria mais feliz sozinha do que compartilhando momentos medíocres ao lado de pessoas hipócritas que insistiam em lhe dizer que o melhor caminho era ser convencional. Retirou de uma velha agenda as economias guardadas meticulosamente e deixou pra trás seus breves 20 anos de história para correr atrás do sonho de uma vida inteira: conhecer Paris. Ah, a cidade das luzes...

Dos olhos, não deixou cair nem ao menos uma lágrima. Dos lábios, soltou um suspiro, daqueles aliviados, mais esperançosos do que assustados. Não olhou para trás e nem ao menos viu sua meia-irmã virando a esquina da rua de baixo, com os cabelos ruivos esvoaçando em meio à brisa de inverno. Nos ombros, a velha mochila, surrada de tantas aventuras em trilhas pelos matagais. De sapato, só o tênis meio desbotado que estava em seus pés, sussurrando ao mundo a cor que um dia havia tido. Nenhum anel nas mãos, nem brincos ou batons. Despiu-se de sua vaidade infantil para ter a certeza de que começaria agora a construir sua identidade. Mulher. Sim, mulher. Não queria mais as roupas cafonas que seu guarda-roupa armazenava ou os velhos colares delicados com que a mãe insistia em lhe presentear.

Seguiu o caminho tortuoso à sua frente, dobrou a esquina e entrou subitamente em um ônibus. Pisou pela última vez aquelas ruas calçadas de paralelepípedos que tanto foram palco das brincadeiras de pique. Embarcou com destino certo: viver intensamente e desbravar novos horizontes, como apenas uma pessoa sozinha pode ser capaz de fazer. Em breve poderia descobrir que estava errada. Muito errada.

domingo, 28 de fevereiro de 2010