Ela partiu. Amontoou uma trouxa de roupas, deu um beijo no gato, um afago no velho cão e fechou a porta atrás de si. Não avisou ninguém. Enfiou na cabeça a ideia de que seria mais feliz sozinha do que compartilhando momentos medíocres ao lado de pessoas hipócritas que insistiam em lhe dizer que o melhor caminho era ser convencional. Retirou de uma velha agenda as economias guardadas meticulosamente e deixou pra trás seus breves 20 anos de história para correr atrás do sonho de uma vida inteira: conhecer Paris. Ah, a cidade das luzes...
Dos olhos, não deixou cair nem ao menos uma lágrima. Dos lábios, soltou um suspiro, daqueles aliviados, mais esperançosos do que assustados. Não olhou para trás e nem ao menos viu sua meia-irmã virando a esquina da rua de baixo, com os cabelos ruivos esvoaçando em meio à brisa de inverno. Nos ombros, a velha mochila, surrada de tantas aventuras em trilhas pelos matagais. De sapato, só o tênis meio desbotado que estava em seus pés, sussurrando ao mundo a cor que um dia havia tido. Nenhum anel nas mãos, nem brincos ou batons. Despiu-se de sua vaidade infantil para ter a certeza de que começaria agora a construir sua identidade. Mulher. Sim, mulher. Não queria mais as roupas cafonas que seu guarda-roupa armazenava ou os velhos colares delicados com que a mãe insistia em lhe presentear.
Seguiu o caminho tortuoso à sua frente, dobrou a esquina e entrou subitamente em um ônibus. Pisou pela última vez aquelas ruas calçadas de paralelepípedos que tanto foram palco das brincadeiras de pique. Embarcou com destino certo: viver intensamente e desbravar novos horizontes, como apenas uma pessoa sozinha pode ser capaz de fazer. Em breve poderia descobrir que estava errada. Muito errada.
Ilustração vetorial de Pinups
Há um mês
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