Hoje li um texto que achei bem interessante: o cérebro humano automatiza suas reações conforme os fatos repetem-se. Algo como uma economia de novos estímulos nervosos para realizar coisas semelhantes. E é justamente por isso que temos a sensação de que os dias passam cada vez mais depressa: porque não oferecemos ao nosso cérebro estímulos que o façam trabalhar e registrar em nossa memória os eventos de cada dia. E assim os dias passam a ficar muito iguais uns aos outros, sendo "apagados" ou "ignorados" como acontecimentos rotineiros e comuns. E só as datas mais relevantes acabam sendo lembradas - os Natais, as festas, os aniversários -, justamente porque envolvem eventos diferenciados.
Quando somos crianças, tudo é novidade e em todos os dias acontece algo capaz de exigir o exercício da atividade cerebral - novas reações, novas pessoas, novos horizontes, novas brincadeiras, novos aprendizados. A recomendação, então, é sempre tentar fazer alguma coisa diferente, de forma que valha um registro na lembrança. Fazer novos caminhos, escrever coisas novas, ler novos livros em lugares diferentes, fazer novas viagens - tudo isso contribui para ativar nossos neurônios e intensificar os dias e as lembranças deles.
Alguém já reparou o quanto é mais fácil lembrar de uma cena após ver uma fotografia dela? E o quanto aquele momento retratado se torna mais nítido do que todos os outros que o cercaram? Infelizmente não dá para sair por aí fotografando o dia, as emoções, as impressões e todas as pessoas que passam por nós. Mas seria muito bom se tivéssemos sempre o costume de fugir da rotina, para que pudéssemos ter mais histórias para contar - e mais fotografias imaginárias para lembrar.
Quando eu era pequena tinha a prática de estudar fingindo que era professora. Ensinava a meus alunos imaginários tudo o que havia aprendido na escola. Meu pai chegou até a comprar uma pequena lousa e várias caixas de giz colorido - aqueles mesmos que às vezes eram usados para desenhar um sol amarelo no cimentado do fundo de casa ou uma grade de amarelinha no asfalto envelhecido da rua. E foi assim que fui conquistando minhas altas notas - sempre ensinando coisas em voz alta para minha platéia invisível. Certamente esta técnica de memorização não é exclusividade minha, mas sei que essa sempre foi uma das formas que encontrei para lembrar-me do que era importante. Ler em voz alta. Explicar em voz alta. Coordenar os pensamentos em voz alta.
Tudo bem que eu também brincava de bancária - enquanto as crianças de minha idade costumavam brincar de boneca. Não passava dos 8 anos, certamente. Na verdade, não sei bem se era um banco ou uma financeira mas eu costumava dizer que era uma grande firma, a qual chamava de Jungis Barrida - nem sei se era assim que eu escrevia, tampouco o significado desse nome. Engraçado, não? É, minha criatividade sempre deu grandes provas de sua existência. Ao menos enquanto era criança. Inventei até mesmo uma classe gramatical inexistente e imprescindível para o português: os gramafos. E do pouco que me lembro do que escrevi sobre eles, sei que obedeciam a "justaposição". Profundo, não? Bem, a lógica era um tanto quanto confusa e infantil, mas ainda hoje fico maravilhada ao ver os rabiscos no caderno, os quais guardei carinhosamente no fundo de um pequeno baú.
A verdade é que, enquanto somos crianças, temos um mundo de opções e oportunidades à frente. Temos a possibilidade de sermos quem quisermos - médicos, professores, engenheiros, bancários, cozinheiros, motoristas, astronautas, pilotos - e para transformarmos algo em realidade só precisamos de um empurrão, um estímulo. Aos poucos fazemos escolhas que mudam nossas vidas e estreitam essas possibilidades. E dia-a-dia essas escolhas apagam um pouco do brilho que tínhamos na infância. Mas fazer o que? Deve ser assim com todo mundo mesmo...
Ilustração vetorial de Pinups
Há um mês
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